quinta-feira, 26 de maio de 2011

Ela


Ela estava cansada de viver. Passava os dias se perguntando por que precisava continuar levando aquela vida. Seu maior desejo era o de que houvesse um estágio primordial, anterior ao nascimento, em que pudéssemos escolher se gostaríamos realmente de nascer; ela certamente não optaria por essa alternativa. Perguntava-se por que morria toda vez que via alguém em uma situação horrível e não podia ajudar, não podia fazer nada, apenas observar e sentir pena, o pior sentimento que poderia ter; o sentimento que lhe embrulhava o estômago, a constante pena que sentia de todos os pobres coitados ao seu redor. Perguntava-se por que morria toda vez que percebia o quão inúteis eram seus esforços para causar sequer uma pequena diferença. Por que cada ato seu era irrelevante frente ao infindável muro da grandeza do mundo. Perguntava-se por que tinha de se submeter a idéias que não lhe eram plausíveis simplesmente para manter a coesão da existência humana. Perguntava-se por que morria toda vez que tomava conhecimento da morte de outra pessoa, toda vez que percebia o quão fácil é deixar de existir e o quão fina é a linha que nos separa da completa inexistência. Ela não entendia por que morria tão lentamente ao longo dos dias; vendo tudo que não queria ver, tendo que ouvir o que jamais se atreveria a falar, presenciando o que gostaria de mudar e não sendo capaz, nunca. Sentia-se morta. Não por dentro, mas por fora. Sentia que seu corpo era apenas mais um caminhando na multidão, ela era viva por dentro: tinha a capacidade de respirar, de caminhar, de correr, se fosse preciso; podia falar, precisava comer, beber, sentia certa necessidade de amar, outra de ser amada, mas por fora, ela estava morta. O lado de fora de sua vida, sua importância exterior, não existia. Facilmente descartável. Muitos chorariam a sua morte e, com o tempo, aprenderiam a viver sem ela, porque a vida é assim, ao que parece. Toda vez que ela morria, a cada pequeno segundo que sua vida se tornava mais desinteressante para ela mesma, toda vez que sentia um fiapo de sua essência sendo sugado pela realidade que a cercava, em todos esses momentos, ela continuava ali, continuava com todas as suas necessidades humanas e, no entanto, morria. Ela estava cansada de viver, mas isso era suportável, não era um problema tão grande. Ela poderia passar o resto dos seus dias dessa maneira, vivendo, praticando todas as incríveis habilidades biológicas do ser humano. Ela estava, na verdade, cansada de morrer.






Um comentário:

  1. Belo texto-conto, Rafael.
    Tu escreve muito bem e eu adoro ler o que tu escreve. Me diz muito.
    Beijos,
    Têri

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