terça-feira, 5 de abril de 2011

O Premiado (parte III - final)


Vi-o pela última vez até o mês seguinte porque, algumas semanas depois, vi no jornal o anúncio da premiação que M... fora indicado. Durante esses dias entre encontrá-lo no banco da praça e vê-lo receber o prêmio em um auditório lotado, minha mente castigou-me com reflexões sobre o indivíduo que encontrara após tantos anos; eu realmente sofri e me afoguei nos pensamentos mais profundos, mas não saberia descrevê-los aqui. Perdão, meu leitor. Peço perdão também, por já ter adiantado uma parte da história. Deixe-me voltar à ocasião do prêmio.
Como que por um impulso, fui à tal premiação, precisava revê-lo, não sei exatamente por quê. O auditório estava realmente lotado; muitas pessoas, em trajes elegantes sentavam-se nas poltronas e conversavam baixinho, provocando um leve burburinho. Outras pessoas estavam sentadas em uma espécie de camarote perto do palco; eram os indicados. Não tive dificuldade alguma em perceber a presença de M... entre eles. Percebi também que ele havia apenas trocado de banco, estava sentado agora em um camarote, com roupas de gala, mas era o mesmo homem. A boca estreita, escondida na barba, os olhos escuros que eram como rachaduras mórbidas na parede que era o seu rosto. Localizei também, logo mais a frente de onde eu estava, o que eu supus ser sua família. Uma mulher bonita que ainda lembrava muito minha antiga colega e ao seu lado, duas jovens moças e um rapaz. Olhavam-no com orgulho e pareciam completamente alheios aos problemas por que ele estava passando. Talvez, realmente, ninguém mais percebesse isso.
 A cerimônia começou e vou poupar-me de descrever todas as apresentações e discursos que ocorreram até o momento da premiação. Tal momento chegou e todos estavam apreensivos; o homem que conduzia a cerimônia finalmente declarou o ganhador do tão estimado prêmio e proferiu bem alto o nome do nosso conhecido M... Todos se levantaram, batendo palmas, assobiando; sua mulher e filhos louvavam-no com grande apreço e lágrimas nos olhos. M... calmamente levantou-se de seu lugar e caminhou com passos vagarosos para receber o troféu das mãos do mestre de cerimônias que estava acompanhado do antigo ganhador do mesmo prêmio. O troféu era, na verdade, um grande prato de porcelana chinesa com inscrições em ouro, seu nome, a data, o nome da empresa, as honras, tudo gravado perfeitamente no tão cobiçado prato. M... tomou o prêmio nas mãos com a mesma expressão dos perdedores que ficaram logo atrás dele observando sua trajetória até o prêmio que tanto almejavam.
Estenderam-lhe um microfone, mas M... não falou nada. Aos poucos a ovação foi diminuindo e logo restou apenas o silêncio e o homem segurando um prato no palco. Estava tentando sair do abismo, já tinha um braço e a cabeça para fora, faltava pouco. O que aconteceu em seguida estava fora da adivinhação de qualquer pessoa naquele auditório. M... ergueu o prato com as duas mãos e, com muita força, atirou-o ao chão, transformando-o em farelos de porcelana e ouro. O som ecoou no auditório entre gritos de susto, vozes que conversavam exclamando suas opiniões, suspiros de reprovação e até mesmo xingamentos severos. Eu observava tudo sem, ao mesmo tempo, tirar os olhos de M... Percebi que ele olhava na direção de sua família e, rapidamente, observei-os eu também. Tanto a sua esposa, quanto seus filhos estavam calados. Olhavam-no com profundo desgosto e decepção, lágrimas corriam pelos rostos dos quatro. Dei uma última olhada geral no caos que se tornara o auditório, na atmosfera caótica que M... criara, e, por fim, voltei minha atenção para o homem sozinho no palco, cercado de estilhaços, ouvindo variados insultos, sentindo-se um imbecil, percebendo a decepção de todos ao ver o que ele havia feito.
Concentrei-me profundamente naquele homem e vi cada pequeno movimento que deu origem ao sorriso no seu rosto. Esqueci-me de tudo que acontecia no auditório e fui contagiado diante de sua felicidade. Comecei também a sorrir prazerosamente. Assobiei e aplaudi.

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