quinta-feira, 21 de abril de 2011

Samuel sobe a árvore


Ninguém jamais conseguiu subir. A árvore mais alta da rua intimida os meninos de todo o bairro. Até a metade já subiram; um pouco mais, talvez. Mas lá em cima, onde os galhos são mais perigosos, ninguém. Muitos têm medo de cair, a maioria nem consegue imaginar o caminho até o topo; os galhos são confusos, a segurança é duvidosa. Mas, temos de admitir, é uma maravilha, é a coisa mais linda do mundo, é uma humilhação para todas as outras árvores da rua. Essa árvore é o sonho de todas as crianças que brincam por ali e se contentam com as árvores menores.
         Samuel é uma dessas crianças. Nove anos, cabelos loiros, joelhos ralados, cicatrizes pelo corpo e uma coragem admirável. O Sol está se pondo, a noite logo deve chegar. A rua inteira é invadida por uma luz amarelada e um vento leve canta com as folhas. “Desce daí!”, alguns gritam, “Cuidado Samuel!”. As outras crianças parecem realmente preocupadas, mas ele não para. Samuel agarra cada galho com mãos firmes, avança pela árvore incansavelmente. As pessoas lá embaixo param para olhar; não apenas as crianças: pais, mães, avôs e avós, todos observam o menino corajoso. O corpo pequenino se confunde entre as folhas, mas movimentos esporádicos revelam sua presença. O pequeno Samuel não pensa em nada; nem mesmo sabe por que está subindo, apenas sobe. O caminho se torna cada vez mais claro, é óbvio, evidente. Samuel sente que já é parte da árvore, é natural para ele, o movimento de seus braços é quase involuntário, irrefletido. Samuel chega ao topo, não há mais o que subir.
         Senta-se em um galho razoavelmente forte, cuida para manter o equilíbrio e olha para baixo. Samuel vê tudo o que percorreu logo abaixo de si, uma mistura de galhos, folhas, pássaros e quase consegue enxergar os olhos curiosos das pessoas por baixo de tudo isso. Respira fundo e olha para frente. O bairro inteiro se revela para Samuel. Todas as casas, todas as pessoas surgem à sua frente iluminados pelo Sol que vai sumindo no céu laranja. A cidade mais ao longe se esconde, mas ele pode enxergá-la. Ela está ali, assim como o resto do mundo, que é logo adiante. Alguns pássaros voam perto dele e, em segundos, já estão nesse horizonte. Samuel consegue ouvir a música. Todas as vozes vêm até ele. Falam coisas diferentes, gritam, choram, gozam! O mundo se rende para Samuel.
         Como uma folha daquela árvore, ele faz parte de tudo isso. Muitos não o conhecem. O mundo não o conhece. Mas o mundo jamais existiria sem ele. O Sol finalmente some. A luz avermelhada dá lugar ao escuro da noite. Samuel vê as pequenas luzes da cidade surgindo. Vê o mundo inteiro tentando manter-se acordado. Samuel não sabe quantas pessoas estão por trás de cada um desses pontos de luz. Não sabe quem são elas, o que estão sentindo, mas tem certeza de que estão ali, assim como ele, na árvore. Samuel está cansado, seu corpo de criança dói. É hora de descer.

2 comentários:

  1. PERFEITO! Aplausos e mais aplausos. Adorei mesmo esse conto e ele logo, logo vai estar no meu blog! Parabéns garoto talentoso.

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